Direito e Literatura inserem-se nas áreas do conhecimento que, do ponto de vista acadêmico, convencionou-se chamar de “Ciências Humanas”. Embora essa classificação possa ser questionada, e passe pela própria discussão acerca do conceito de ciência, por questões metodológicas, optamos por iniciar nosso percurso utilizando a expressão “ciências humanas”, que são aqui assim entendidas como as áreas do conhecimento e da expressão que tem como epicentro a condição humana e suas implicações no tempo e no espaço.
O diálogo entre o Direito e a Literatura tem se apresentado como um novo espaço interdisciplinar que tenta viabilizar a obtenção de respostas para questionamentos tais como: o que é o direito? Quem deve obedecê-lo? Por que deve? O que é a Justiça?
Como esclarece Barretto, “a hipótese desenvolvida pelos estudos contemporâneos, que levam a rubrica geral de Direito e Literatura é a de que se encontram analisados e descritos na imaginação literária, de forma mais viva que na própria doutrina, os fundamentos da ordem jurídica, seus mecanismos e significados simbólicos”.[1]
A aproximação entre o Direito e a Literatura tem se dado, basicamente, por meio de quatro campos interdisciplinares, que Malaurie[2] assim classifica:
a) o direito na literatura: campo no qual se busca identificar na literatura a representação de temas jurídicos, tais como a própria ideia de direito, de lei, justiça, liberdade, propriedade, crime, pena, herança, e as próprias instituições judiciárias e institutos processuais que configuram o sistema jurídico. Trata-se do exame do próprio direito presente nas obras literárias, de que é exemplo o estudo feito pelo professor Ost acerca da temporalidade do contrato na obra “O mercador de Veneza”, de Shakespeare.[3]
b) o direito como literatura: campo pelo qual se buscam identificar os aspectos literários do texto jurídico através da utilização de métodos específicos da crítica literária. É o estudo do próprio direito afirmado por meio de práticas da crítica literária que auxiliam na compreensão e na aplicação do direito, de suas instituições e decisões, bem como a compreensão do próprio conceito de Justiça. Por isso, essa área de conexão entre o direito e a literatura privilegia o papel do intérprete e da obra, através da visitação do direito como literatura. Como esclarece Chueiri, nesse campo a ênfase se dá na forma narrativa da obra que pode servir para compreender a narrativa jurídica desvelada nas sentenças judiciais, por exemplo.[4]
c) o direito comparado à literatura: campo que se dedica ao exame comparativo dos métodos jurídicos e literários ou, ainda, da estrutura literária do direito.
d) o direito da literatura: campo em que são estudadas questões jurídicas pertinentes ao direito de autoria, a propriedade intelectual, a liberdade de expressão, a responsabilidade civil do escritor e as questões concernentes à injúria, difamação e calúnia na obra literária.[5] Trata, em síntese, da normatização jurídica das obras literárias.
A aproximação do Direito à Literatura coloca em relevo o papel do intérprete. Interpretação e narrativa formam um binômio essencial à compreensão do direito (CHUEIRI):[6] Tal aproximação tem consequências importantes no desenvolvimento de uma própria teoria da Justiça. A argumentação jurídica e a atividade interpretativa passam a ser vistas como práticas interpretativas que dão espaço à criatividade, obviamente balizadas por valores que são, em primeiro plano, estéticos, o que traz consigo a ideia de que a interpretação não é apenas um método a serviço do jurista, mas é constitutiva do próprio conceito de direito: Direito é interpretação.
Além disso, a visão do direito como interpretação, que se possibilita pela aproximação entre o Direito e a Literatura, amplia os horizontes do direito, que deixa de ser meramente descritivo e abre espaço para as dimensões narrativas e prescritivas que estão associadas à história. Tal constatação está vinculada à tradição hermenêutica, segundo a qual a narrativa se situa intermediariamente entre os pontos de vista descritivo e prescritivo acerca da ação: narrar é situar-se entre a descrição e a prescrição acerca da ação. Nessa senda, por meio da aproximação do direito com a narrativa, é possível compreendê-lo para além de sua descrição, política e eticamente uma vez que “a teoria narrativa pode, genuinamente, mediar entre descrever e prescrever, na medida em que alarga o campo da ação (da prática) e antecipa considerações éticas na própria estrutura do ato de narrar” (CHUEIRI).[7]
*Excerto da dissertação de mestrado Direito e literatura:
a compreensão do direito como escritura a partir da tragédia GREGA de autoria do sócio César Vergarade Almeida MartinsCosta – OAB/RS 28947 – OAB/RJ 148292-A
[1] BARRETTO, Vicente de Paulo. Philia, autocracia e legitimidade. In TRINDADE, André Karam; GUBERT, Roberta Magalhães; COPETTI NETO, Alfredoet. al. (Org.). Direito & Literatura: reflexões teóricas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.p.117.
[2] MALAURIE, Philippe. Droit et Littérature: une anthologie. Paris: Cujas, 1997. p. 7: “Il y a plusieursmanières – aumoinsquatre – d’envisager les rapports entre la literature et le droit:1º) le droit de la literature: la propriétélittéraire, la responsabilitécivile de l’écrivain et le droit de La presse – diffamation, injure; 2º) le droitcommelittérature, les qualitieslittéraires du droit; 3º) le droit compare à la littérature, qu’onpourraitaussinommer la structurelittéraire du droit: la comparaisson des methodslittéraires et juridiques; 4º) le droitdans la littérature: la façondon’t la littérature se représente la loi, la justice et les grandsproblems du droit. Il s’agit dans ce livre du droit dans la littérature, ce qui a diversesacceptions”.
[3]MALAURIE, Philippe. Droit et Littérature: une anthologie. Paris: Cujas, 1997. p. 108.
[4] CHUEIRI, Vera Karam de. Direito e literatura. In: BARRETTO, Vicente de Paulo (Org.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Editora Unisinos; Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 235.
[5] Ibid., p. 117.
[6] Ibid., p. 117.
[7]CHUEIRI, Vera Karam de. Direito e literatura. In: BARRETTO, Vicente de Paulo (Org.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Editora Unisinos; Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 234.
César Vergara de Almeida Martins Costa 
OAB/RS 28947 – OAB/RJ 148292-A
Mestre em Teoria do Direito, membro do Conselho Superior e Coordenador do Núcleo de Debates entre Direito de Literatura do IARGS